Páginas

Companheiros de Pensamentos

terça-feira, 22 de abril de 2014

Pedaço de Mim - Chico Buarque



Deixei de ser filha só porque os meus pais morreram?
Não continuo a dizer que meu pai gostava disso ou minha mãe costumava dizer aquilo?
Então continuo a SER mãe, mesmo de filhos mortos.
Há dez anos, encontrava-me grávida de gémeos.
Tudo corria bem, apesar de ser uma primeira gravidez, apesar de ter mais de 40 anos, apesar de ser uma gravidez de gémeos.
Era seguida e bem acompanhada pela minha médica, através de análises, ecografias, até amniocentese…
Até que… durante uma ecografia, só ouvimos um coraçãozinho.
Lembro, exatamente, o que a minha médica disse, naquele momento: “Perdemos um.”
A pressão arterial teve uma subida abrupta que causou uma tensão placentária, impedindo o desenvolvimento dos meus bebés.
Segui, imediatamente, para a Maternidade Alfredo da Costa para tentar salvar o outro bebé, pois o Pedro já tinha falecido. (E não me venham falar que não posso dar um nome a um feto morto. Dentro da minha barriga, já era meu filho).
Através de uma cesariana, nasceu o Henrique com 27 semanas e 630 gramas.
Não me deixaram ver o Pedro e nem o Henrique que seguiu, de imediato, para a Sala 5.
O Henrique lutou, cada minuto, durante 22 dias.
Durante 22 dias, vi Anjos (na forma de enfermeiras/os e médicas) entrarem nessa luta de corpo e alma. As doutoras e as enfermeiras/os estavam sempre atentas a tudo e também tinham a paciência de explicar-me tudo o que se passava com o meu filho.
Até as voluntárias da Sala 5, eram pessoas especiais. Lembro de um dia em que o Henrique lutava mais uma vez pela vida, rodeado por uma equipa de médicos e enfermeiros. Ao ver aquele alvoroço, fiquei sem reação. Surgiu logo uma voluntária para apoiar-me. Com uma mistura de graça e seriedade, foi contando a situação e acalmando-me.
No dia seguinte, essa voluntária aproximou-se de mim, olhou-me bem nos olhos e disse: “Pois é. Ontem, o Henrique quis ir jogar à bola com o irmão, mas o irmão mandou que voltasse, pois ainda não havia vaga na equipa.”
Ao fim de 22 dias, o Henrique juntou-se à equipa do Pedro.
Hoje, os meus filhos fariam 10 anos.
Sim, os meus filhos.
É claro que não perco tempo a acompanhar os seus trabalhos de casa, a fazer-lhes a comida, a levá-los à escola, ao futebol…
É claro que não perco tempo nas consultas médicas, nas reuniões de pais, nas festas de aniversários para os coleguinhas…
Mas… alguém já pensou no que faço para preencher todos esses espaços vazios?
Alguém, por acaso, pensa que ao enterrar-se um filho, ele desaparece de nosso coração, de nossa memória?
Por favor, não digam que tenho mais disponibilidade porque não tenho filhos.
Eu não tenho filhos por opção profissional ou pessoal.
Eu tenho filhos e, apesar de não ter a experiência que muitas mães têm nas atividades que desenvolvem com os seus, acreditem que tenho uma experiência que pouquíssimas têm: o de levá-los ao cemitério para serem lá depositados.
Há 10 anos tenho ouvido muitas frases, acredito, que com as melhores intenções para o meu consolo; porém, depois de sermos mães (mesmo de filhos falecidos), ficamos com a sensibilidade mais aguçada. Não quero compaixão. Quero compreensão!
É isso!


("PEDAÇO DE MIM" foi composta para uma peça teatral, “A ÓPERA DO MALANDRO”, na qual a personagem perde um filho, após nove meses de gestação e mostra todo o sofrimento da mãe na perda do filho-, o grande sinónimo do poema é a saudade e a dor incontroláveis.Vale a pena prestar atenção na letra deste tema de Chico Buarque.)

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor

16 comentários:

João Roque disse...

Que texto comovedor e belíssimo.
Claro que serás sempre Mãe...
Toda a minha enorme solidariedade por ti, pela tua dignidade e por seres quem és.
Um beijinho especial nesta data.

Existe Sempre Um Lugar disse...

Boa tarde,
Somos sempre parte dos nossos pais, assim como, nossos filhos são sempre parte de nós.
Lamento o que relata, mas sempre será mãe que nunca esquece.
Dia feliz
ag
http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

m. disse...

falavas sempre dos teus filhos, mas eu não sabia de que tinham morrido. sinto muito. é terrível, não posso imaginar, perdi a minha mãe, nunca tive filhos. tenho sobrinhos, a minha mais nova tem agora 3 meses e nasceu umas semanas antes do tempo.
uma amiga minha, de 30 e poucos anos também perdeu um bebé assim como tu. tinha nome, era menino, e o segundo nome próprio era igual ao do meu sobrinho. que dor.
bjs.

Raquel disse...

O teu Pedro e o teu Henrique estarão, obviamente, sempre em teus pensamentos e sentimentos. Terão tb orgulho na mãe. Um beijinho, de compreensão.

Raquel

Unknown disse...

AMIGA

LEMBRO COMO SE FOSSE ONTEM, ESTE FATO E JÁ SE VÃO 10 ANOS. A SAUDADE SEMPRE EXISTIRÁ E A TUA EXPERIÊNCIA SERÁ ETERNA. ELES ESTÃO BEM. ACOMPANHAM OS TEUS PAIS NUM GRANDE TIME QUE TORCE POR TI. DEUS NOS DÁ ALGUMAS PROVAS POIS SOMOS FORTES PARA VIVERMOS ISSO. ELE NOS CONHECE MELHOR QUE NINGUÉM. FICA COM DEUS E TENHA MAIS UM DIA FELIZ POR ELES!!!!!!!

Verena disse...

Parabéns por seres está mãe guerreira
Um forte abraço e beijinhos de
Verena e Bichinhos

Anónimo disse...

Que lindas palavras que nos tocam bem no coração, só quem passa por elas é que sabe.é e será sempre uma super mãe, bjs grande e força .

Poções de Arte disse...

Eu creio que a morte nunca é fácil pra ninguém e creio tb que a mulher tem o dom de ser mãe e sentir muito, mesmo que não tenha filhos ( é o meu caso ), mas acredito tb, que de todas as formas de dor, perder um filho deve doer muito mais, afinal foge do curso "natural" que deveria ser a vida.
Não sou mãe, mas me sinto e compreendo teu sentimento.

Abração esmagador e lindos dias.

Nilson Barcelli disse...

Não conhecia o teu blogue e fiquei impressionado e comovido com este teu post.
Sim, na minha opinião serás mãe até te juntares aos teus filhos.
Voltarei, por certo.
Um beijo.

Maria Rodrigues disse...

Os filhos são sempre parte de nós e como tal a Rosa foi e será sempre mãe, uma mãe com uma dor imensa no coração, a dor da saudade.
Beijinhos
Maria

Unknown disse...

Deixo-te um forte abraço.
Dizem-me, na tentativa de consolar o inconsolável que a dor não passa mas torna-se mais suave com o tempo... sinceramente tenho dúvidas de que isso aconteça. Sobrevive-se dia a dia com eles no pensamento, idealizando um futuro que não se teve e temos saudades e arde-se de amor.
O teu texto comoveu-me, senti a tua dor, sinto a tua dor que tal como a minha rasga-nos a alma todos os segundos da vida.
Deixo-te um abraço apertadinho
Cristina

Lúcia Bezerra de Paiva disse...

Imagino (se é que é possível!), a sua dor, por todo o sofrimento. Você á tão mãe, ou mãe maior, do que muitas mães que se dizem mães. Seu texto é comovente e belo. Não tive filhos, biológicos, mas sou mãe de um filho que adotei. Sou tão mãe, quanto a mãe que pariu..."Pedaço de Mim" completou belamente a sua postagem. Hei de voltar aqui, Rosa Carioca. (morei 25 anos no Rio de Janeiro e me sinto carioca.)
Um beijo meu.

chica disse...

Rosa, emocionante teu relato e tens toda razão ao te sentir assim. Triste essa perda, mas és mãe pra sempre! Foste em dobro! Imagino o teu sentir. Fazem 10 anos, mas creio sempre serão lembrados ! beijos,fica bem,chica

Blog da Pink disse...

O Pedro e o Henrique tiveram todo o amor de uma mãe maravilhosa e os poucos dias que estiveram juntos valeram por uma vida inteira e vão ficar guardados pra sempre.O amor de mãe é pra sempre mesmo que tenham vividos juntos tão pouco tempo. Força!
Beijos
Laís

AF disse...

Um grande abraço a esta enorme Mãe.
Eu também sou pai de um filho que, não estando presente em corpo, está presente em alma.

Somos pais diferentes porque ao invés de termos filhos de quem cuidar, temos filhos que cuidam de nós.

http://diariodeumpaifeliz.blogspot.pt

Shirley Brunelli disse...

Fiquei emocionada com o seu relato, Rosa. Mas, veja que coisa bonita disse o AF, que vocês não tem filhos para cuidar , porém, são cuidados por eles...
Amiga, um beijo no seu coração!