Nasci
e cresci em regimes ditatoriais, em dois países: Portugal e Brasil.
A
Ditadura é um bom regime?
Ninguém
gosta de viver com o sentimento de que está constantemente a ser vigiado e
controlado.
Meu
avô paterno era monárquico e, até à sua morte (1961), sempre ostentou na lapela
de seu casaco o pin da monarquia. Frequentava os cafés de Lisboa, como
“Brasileira”, “Nicola”; e sempre manteve grandes diálogos, sobre assuntos como
música e política, mesmo tendo a plena consciência de que, na mesa ao lado, estariam
elementos da PIDE.
Meu
pai, por duas vezes, quis tentar “melhorar de vida”, saindo de Portugal. Na
primeira vez, foi chamado à PIDE para responder a várias questões: queria ir
para onde?; para quê?; por quê?
Após
responder a todas as questões e mais algumas, voltou a ser chamado para mais
uma série de questões. Pelo meio do interrogatório, meu pai olhou bem para o
agente e “atirou”:
-
O senhor sabe mais da minha vida do que eu próprio. Já sabe as respostas antes
de fazer-me as perguntas. Portanto, vamos parar de gastar o nosso tempo: ou
autoriza a minha saída, ou não.
(Meu pai nunca foi o exemplo de serenidade;
muito pelo contrário, manifestava-se sempre contra toda a atitude de
prepotência e injustiça.)
E
assim meu pai foi trabalhar 4 anos no Brasil.
Na
segunda vez, logo à primeira “entrevista”, meu pai “atirou” a mesma frase e
poupou-se muito tempo: foi para Angola, indo minha mãe e eu, passado pouco
tempo.
Será
que eles tinham sorte? Não sei.
Será
que nunca sofreram represálias por não terem filiação política?
Talvez.
Sei
que nunca alteraram a sua maneira de ser, a sua postura, as suas convicções no
que diz respeito a justiça e respeito ao outro e a si mesmo, enquanto
indivíduo.
Após
a revolução de cravos, já em 1975, decidimos ir para o Brasil, pois por estas
bandas, no auge da “tal” liberdade, impediam que todas as pessoas que voltavam
de Angola tivessem acesso ao emprego. Sim, inúmeras vezes estava tudo
encaminhado para meu pai preencher determinada vaga, ATÉ ele mencionar o seu
último emprego. AÍ, como magia, a vaga deixava de existir.
Bem,
se aqui tínhamos a PIDE, lá no Brasil, tínhamos o DOPS (Departamento de Ordem
Política e Social). Desde o momento que fomos ao Consulado do Brasil para pedir
a autorização de entrar no país, até a receber, passaram 4 meses. Meu pai,
tendo nascido lá, teve que esperar que o DOPS pesquisasse toda a sua vida,
principalmente se tinha envolvimentos de ordem política.
Sim,
o regime ditatorial é controlador.
Agora
vivemos com LIBERDADE!
Liberdade
essa que manipula a forma como se ensina; liberdade essa que força recém
licenciados a sair de seu país; liberdade que “usurpa” direitos adquiridos, à
custa de muita luta; liberdade que “deixa” manifestar-te à vontade para, a
seguir, premiar-te com a “NÃO RENOVAÇÃO” do teu contrato de trabalho ou,
melhor, “promove-te” para um outro lugar bem mais distante da tua residência;
liberdade que “rouba” os nossos salários e obriga-nos a trabalhar mais tempo.
Se
calhar, os CAPITÃES DE ABRIL, lá no seu íntimo, devem estar a perguntar-se: FOI
PARA ISTO ?
E
agora surge a questão: - Prefiro viver numa ditadura ou numa democracia?
Desejo
viver num regime político onde todos tenham a liberdade para ter acesso a um
sistema público de saúde eficiente e de qualidade; onde todos tenham a
liberdade para ter acesso a um ensino público de ensino onde se respeite o
ritmo de aprendizagem de cada indivíduo e valorize-se as suas capacidades e
competências; onde todos tenham a liberdade de ter acesso a um trabalho com
condições e salário dignas; onde todos tenham a liberdade de ir e vir em
segurança; onde todos tenham a liberdade de ter acesso a um serviço de justiça,
verdadeiramente, imparcial; onde todos tenham a liberdade de poder desejar
envelhecer pois sabem que terão uma velhice com qualidade.
Neste
momento, sinto que vivo num regime muito pior do que a ditadura…