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Companheiros de Pensamentos

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Não entendo... :(



Hoje, da janela da sala, enquanto estou a trabalhar no computador, ouço os sinos a tocar por quem já partiu. Nas aldeias de Portugal, ainda há esse costume; os sinos dobram quando alguém morre.
Aos poucos, pessoas chegam à igreja, para velar e depois acompanhar o cortejo fúnebre até ao cemitério.
E é aí, que eu não entendo...
Por quê as pessoas vão aos velórios?
Por quê as pessoas querem acompanhar o caixão até ao cemitério?
Meus pais diziam que era para sermos solidários na dor daqueles que eram mais próximos da pessoa que partiu e, na medida do possível, dar o nosso apoio, o nosso ombro, o nosso abraço, o nosso silêncio triste.
Mas não é isso que eu vejo. O que eu vejo, são pessoas chegando "numa boa", sorrindo, rindo, alegres porque já não viam o fulano e o beltrano há muito tempo, a perguntarem como têm passado, a falar da vitória da Espanha, etc. E como consigo perceber tudo isso da janela da minha sala? Tão simples! O convívio é tão efusivo que mais parece uma Festa de Aldeia.
Enquanto isso, dentro da igreja, há pessoas que sentem o peso enorme da tristeza, da solidão e, para mim, o peso da falta de respeito com a sua dor.
Não percebo! Se não estão solidários na dor, porque vão? Para fazer número?
Quantas vezes, meu pai estava em casa, a ouvir música no seu rádio, e, assim que ouvia o dobrar do sino, desligava, imediatamente, o rádio. Eu perguntava-lhe: "Mas o pai sabe quem morreu? Conhece?" E ele, olhava para mim, com uma cara de espanto, e respondia: "E interessa saber quem morreu, Ana Paula! Alguém morreu e, por isso, devemos respeitar a dor daqueles que o perderam. Se acontecesse contigo? Perderes alguém de quem gostavas, irias gostar de ouvir música ou pessoas rindo? É apenas uma questão de respeito, filha."
Uma questão de respeito.
Quando perdi meus pais, meus filhos, meus tios, assisti ao mesmo. Quando as pessoas vinham falar comigo, vinham cabisbaixo, mas assim que se afastavam... Sim, graças a Deus, tive muitas pessoas a meu lado, sempre solidárias com as minhas perdas; não só naqueles momentos, como depois.
Pessoas que me conhecem, dizem que sou radical, que devia ser mais complacente, pois bem. Prefiro continuar a "ouvir" o meu pai: "É uma questão de respeito!"
Portanto, no meu entender, se não é para ser solidário com a dor, por favor, não é preciso "fazer número".

15 comentários:

José Leite disse...

Escrito com sensibilidade, com emoção, com magia...

gostei.

Carlos Albuquerque disse...

Radical, Ana Paula?!
Já somos dois.
A dor só estabelece pontes entre almas que a sintam, ou por perda directa, ou por por um gesto íntimo e solidário.
Tudo o mais é folclore tão ao jeito da Sociedade do Espectáculo em que hoje vivemos.
Abraço

Rosa Carioca disse...

Rouxinol, obrigada pela visita e pelo comentário.
Carlos Albuquerque, será que um dia vou entender esses "actores"? Abraço.

Anónimo disse...

Emocionante seu relato e fiquei muito triste por saber que perdeu pessoas queridas inclusive filhos nem sei o q te dizer.
As dores estão por todo canto e ñ estamos livres disso,o descaso virou rotina para aqueles que ñ conseguem se por em algum momento no lugar daquele q sofre. Triste condição.
Mas vamos pensar que muitos expressam seus sentimentos de várias formas isso ñ quer necessáriamente q ñ sentem nada. Prefiro pensar assim do que me sentir presa a um mundo medíocre e sem sentimentos.
Um beijo grande e muito obrigado pela visita e pelas palavras.

Paulo Vicente disse...

Ir a um velório para depois rir e conversar pode parecer insensível, mas por outro lado com a dor de perder alguém as pessoas podem precisar de algo que ajude a mente delas a não entrar numa espiral de pensamentos negativos e tristeza.

Pode parecer estranho para ti, mas algumas pessoas podem precisar mesmo de atirar as preocupações para o lado por um minuto e falar do futebol para não explodir.

Por isso, não levar um velório demasiado "a sério" pode ajudar, pelo menos ajuda comigo, nessas alturas tenho receio justamente de "entrar em parafuso" e andar às voltas com pensamentos de dor e perda.

Nem todos reagimos a isto da mesma maneira. Nestes casos é melhor deixar cada um lidar com a questão e ajudar como pode.

Mas às vezes isso é um problema na nossa sociedade, e especialmente nas aldeias, as pessoas esperam que se façam certas coisas, que se marque presença, que haja roupa preta e lágrimas.

Isso pode ir contra a tua natureza mas se não o fizeres ficas "marcada" na mente das pessoas e começam as más línguas e as intrigas. Essas coisas podem transformar a vida de uma pessoa num inferno, por isso não há escolha.

Nesses casos tens de fazer o mínimo do que a sociedade espera de ti e só depois então és livre para lidar com a situação à tua maneira.

Rosa Carioca disse...

Pérola, acredita que faço muita força para tentar entender certas atitudes. Tem dias que até parece que vou conseguir...
Paulo, gostei da sua visita, do seu comentário e até, posso tentar compreender até certo ponto.
Aquele ponto de fazer o que a sociedade espera de mim, para não ficar marcada... bem, aí não. Faço o que faz eu ficar de bem comigo, com meus princípios, com meus valores, sem prejudicar os outros, nem a Natureza, dentro das leis de cada país.
Agora não vou fazer algo, só por que todos fazem, ou porque acham mal se não fizer.
Alto lá. Quando meu pai morreu, vestia uma blusa às riscas vermelhas. Meu pai morreu de ataque cardíaco fulminante. Quando estava a sair de casa,para ir à funerária, uma vizinha disse: "Paula, troca a blusa por uma preta." E eu disse: "Por quê?"
Ela respondeu que as pessoas podiam levar a mal. Então respondi:"Olha, não tenho blusas pretas porque meu pai não gostava de me ver com roupa preta. Portanto, o pai era meu, a dor que tenho dentro de mim, ninguém vê. Pelo meu pai, não vou usar luto."

Sônia Silvino (CRAZY ABOUT BLOGS) disse...

Concordo plenamente contigo. Quantas vezes fui a velórios e assisti a pessoas rindo, conversando alto, entre outras coisas! Sem sentido as suas presenças!
Leia a minha revolta no blog da Valentina!
**************************************
Fico Assim Sem Você
Avião sem asa, fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola. Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você
Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim
Amor sem beijinho,
Buchecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço, namoro sem amasso
Sou eu assim sem você
To louco pra te ver chegar
To louco pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço
Que falta no meu coração
Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver

Mas o relógio tá de mal comigo, por que?
Neném sem chupeta, Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada, queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você
Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim
Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo
Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo, por quê?
******************************************
Beijocas carinhosas!!!
SÔNIA SILVINO'S BLOGS
Vários temas & um só coração!

São disse...

O velório e o luto são momentos de solidariedade com quem morreu e com quem sofre a perda.

Infelizmente , a simbologia desses momentos está em franca perda e só resta o aspecto exterior, quando resta.

É um pouco como o casamento. Para quê casar , se - como já acontece - ao fim de um mês , o casal se divorcia?!

Bom dim de semana.

Maria Rodrigues disse...

Amiga, quanta dor deve preencher o coração daqueles que perdem entes queridos, como pais ou filhos. Eu neste momento ainda não tive de enfrentar essa magoa, mas concordo plenamente consigo, pois se as pessoas vão só para fazer numero, não vale a pena lá estarem.
Tenha um excelente fim de semana.
bjs do tamanho do infinito
Maria

legalmente loira... disse...

amiga,
que lindo relato..não sabia de suas perdas.
fica meu carinho.
agora eu não gosto de velorios so quando não tem geito acho uma falta de educação.
as pessaos riem conta piadas e por ai vai porque não ficam em casa.
otimo fds com carinho e bjos.
volto na segunda-feira..
estou feliz por estar comigo de novo fez muita falta

Rosa Carioca disse...

São, Maria, Loirinha, obrigada pela visita.

Fê blue bird disse...

Minha amiga:
O respeito é uma questão de formação, e há quem o tenha e quem não saiba sequer o que isso é.
Continue radical assim , faz falta!

Beijinhos

Anónimo disse...

Rosa,tem mesmo razão!Já fui a velórios que mais pareciam uma festa!Será que as pessoas não percebem a dor do outro?O silencio é um sinal de respeito e empatia com a familia.Adorei seu texto!Bjs,

Rosa Carioca disse...

Fê, é verdade e, sim, vou continuar radical. Não consigo mudar meus sentimentos, meu ser.
Anne, obrigada pela visita. Beijinhos.

Blog da Pink disse...

Adoro tudo que você escreve ! Textos sempre cheios de emoção e razão. Perdi meu pai no ano passado e foi um momento muito triste da minha vida, gostaria que apenas minha mãe e irmãos estivessem ali, mas como moro longe da família gostei de reencontrá-los, alguns parentes não via há 30 anos ! Aliviou a dor receber o carinho de todos, mas ainda acho que só os mais próximos devem aparecer, justamente para não começar uma "festa".
Seus pais foram pessoas de muita sabedoria, adoro pessoas que respeitam pessoas mais simples, que as tratam com educação ! Você tinha que ser essa pessoa radical, que procura fazer sempre o certo e respeita a todos. Fabulosa !
Não coloquei as regras certas por preguiça e depois comecei a pensar no que me faz feliz e não consegui me lembrar...acho que é o frio que chegou...
Beijos
Laís