Ainda fazendo referência ao belo texto escrito por
Carlos Albuquerque, sobre as
Memórias de Luanda, e continuando a ir ao meu baú de saudades, relembro o marido da Ana. Não me lembro ao certo mas acho que primeiro tivemos contacto com o Castelo e depois com a Ana. Sei que só passado um tempo é que soubemos que eram casados.
“Aqueles homens altos de músculos desenhados, salpicados por gotículas de mar, que ali estão, são pescadores.”
Castelo era pescador e vivia numa comunidade de pescadores (pequena aldeia) na praia, perto da nossa residência.
Assim que chegava do mar, começava logo a percorrer as casas, para vender o produto de seu trabalho.
Tínhamos mudado para aquele local, recentemente e, aos poucos, meus pais e eu íamos aprendendo os costumes da terra.
Castelo visitou as cinco casas, antes da nossa, apregoando e vendendo o seu peixe fresquinho, acabado de sair do mar.
Chegou à nossa casa. Minha mãe foi ver o peixe que restava, escolheu o que queria e perguntou o preço.
O pescador disse o preço, bem além do que se pagaria numa peixaria (era o costume pois as senhoras regateavam e o pescador ia baixando o preço até chegar ao preço real). Minha mãe não reclamou, não regateou, não pechinchou, apenas pagou, exactamente, o que ele pediu.
Castelo já se preparava para seguir seu caminho quando minha mãe perguntou-lhe o nome e disse-lhe:
- Sr. Castelo, eu sou assim, não gosto de regatear, não sei pechinchar, nunca vai ouvir-me a reclamar do preço. Sempre pagarei o preço que o senhor achar que o peixe merece. Boas vendas e até à próxima. Sabe, a minha filha adora peixe, portanto, sempre vou querer peixe. Tenha um bom dia.
(E minha mãe era mesmo assim.)
A partir daquele dia, quando o Castelo regressava da pesca, passava pelas cinco casas, sem parar em nenhuma, mesmo sendo chamado pelas donas-de-casa, e a elas respondia: - Primeiro, a MÃE!
Primeiro ia à nossa casa para que a minha mãe fosse a primeira a escolher o peixe que quisesse.
Muitas vezes minha mãe não concordava com o preço do peixe. Achava que valia mais do que ele pedia. Mas não reclamava. Pagava o que Castelo pedia. Mas depois, quando ele já se preparava para seguir seu caminho, entregava-lhe o restante dinheiro para completar o valor que achava ser o merecido, dizendo:
- Sr. Castelo, está calor, tome umas cervejinhas!
Também houve muitas vezes em que o Castelo, antes de ir embora, tirava lá do fundo um saquinho com peixes miudinhos e, entregando à minha mãe, dizia:
- MÃE, para a “menina”.
Meu pai sempre foi um amante do saber. Mas não só o saber que se encontra nos livros. Era um amante do saber do homem do campo, do homem do mar.
Meu pai gostava de pescar, apesar de nunca trazer o peixe para casa (ele tirava o anzol da boca do peixe, com cuidado, e eu devolvia-o ao mar.)
Ao saber da aldeia perto de casa, um dia foi visitá-la. Foi se chegando devagarinho, com respeito. Foi sendo aceito, devagarinho.
Gostava de observá-los a arranjar o peixe para secar.
Não havia longas conservas mas havia grandes lições de vida.
A confiança ia crescendo.
Meu pai começou a ser chamado de “O MAIS VELHO”.
Um dia, encheu-se de coragem e desatou a fazer perguntas:
- Por que me chamam de “MAIS VELHO”? Eu sou mais novo que todos vocês.
E o Castelo respondia, simplesmente:
- Ora; és “O MAIS VELHO”!
Meu pai insistia:
- E por que chamam a minha mulher de “MÃE”? Todas as minhas vizinhas também são mães e vocês chamam-nas de “DONA”.
O Castelo olhava e, simplesmente, respondia:
- Então, “MAIS VELHO”; ela é a “MÃE”; pronto.
Então, meu pai desistia, apenas aceitava e respeitava os seus silêncios…