As crianças têm uma particularidade que eu admiro: a objectividade.
Estive a dar aula sobre o sistema reprodutor, o nascimento, para a minha turma de 3º ano, com crianças que estão na faixa etária entre os 8 e 9 anos.
E a certa altura, um aluno (que está sempre a perder lápis, casaco, boné e que vou chamá-lo de “Zezinho”) perguntou:
- Professora, como se pode perder um bebé. Já ouvi dizer: “Ela perdeu o bebé”. Como?
Nessa hora, deixei de planejar, programar, pensar no que dizer. Simplesmente, abri a boca e … falei.
Simplesmente, comecei assim:
- Olha, isso aconteceu comigo.
Ele fez uma cara que misturava indignação e espanto.
- Com a professora? – perguntou esse meu aluno, com um ar de quem não acreditava no que eu tinha acabado de dizer.
E continuei a contar o que me tinha acontecido.
Resumidamente, que tinha engravidado de gémeos, mas um problema de saúde provocou a morte de um deles, ainda dentro de mim.
Outro aluno pergunta: "Mas como soubeste que ele tinha morrido?"
Falei-lhe de um aparelho com o qual dá para ouvir o coração do bebé. Ele lembrou-se de quando a mãe estava grávida da irmã e de como conseguiam ouvir o coraçãozinho dela, através desse aparelho.
Surge mais uma pergunta: “E depois?”
- Depois foi feita uma operação chamada cesariana, para tirar o bebé que tinha morrido e também para tirar o outro; pois, como era muito pequenino, era preciso fazer tudo para que ele tivesse mais chances de desenvolver. – respondi.
E as perguntas sucedem-se: "E o que o médico fez com o bebé que morreu?"
E continuo a responder, francamente:
- O mesmo que se faz quando as pessoas velhinhas morrem.
Outro aluno, prontamente, manifesta-se:
- Ah, já sei. Foi para o cemitério.
Logo de seguida, um outro colega afirma:
- Mas só passou pelo cemitério, pois ele foi logo para o céu.
E o “Zezinho”, continua:
- Mas se era pequenino, não era do tamanho das pessoas grandes…
A dúvida prendia-se com o tamanho do caixão!
Eu, sorrindo, disse:
- Pois, então, foi do tamanho dele.
O “Zezinho", olha para a sua mesinha, para os livros escolares, e reflecte:
- Deixa ver... então... devia ser do tamanho de dois livros!
Por aí.
E a aula continua, com mais uma pergunta de outro aluno: - E o outro bebé?
Volto a lembrar-lhes que, como já tínhamos visto no filme sobre a gravidez, “todos os órgãos levam um tempo para se desenvolverem e é por isso que a gestação leva 9 meses. Como o meu bebé, não teve o tempo necessário, também veio a morrer.”
E o “Zezinho” faz a seguinte observação:
- Deves ter ficado triste, não?
Confesso que, naquele momento, senti que meus alunos envolviam-me com uma enorme energia ternurenta.
- Sim. Claro que fiquei, mas agora já estou melhor.
A aula chegou ao fim. Pelo menos, era o que eu pensava.
Passados poucos dias, liga-me a mãe do meu aluno “Zezinho”.
Começou por contar-me que o filho relatou toda aula sobre o sistema reprodutor, de como se fazem os bebés e também tudo o que se tinha passado comigo.
Por fim, a mãe perguntou-lhe o que ele tinha achado disso tudo.
E um miúdo de 8 anos responde-lhe:
- Acho que a minha professora é forte.
E a mãe continuou a questioná-lo: - Forte? Por quê?
E o meu aluno, que esquece os lápis, os casacos e os bonés, diz à mãe o seguinte:
- Porque ela contou tudo aquilo sem chorar. Eu vi nos olhos dela que ela estava quase, mas não chorou.
Adoro minha profissão!
Amo meus alunos!
Cresço com eles!
Fortaleço-me com eles!